Na sexta-feira passada tive o prazer de participar num churrasquinho em casa de um grande amigo. Esse amigo é um grande advogado. Não porque tenha um grande escritório com clientes importantes, ou porque ganhe muito dinheiro. Nada disso. Ele é verdadeiramente um grande advogado, para quem os honorários não são propriamente o mais importante. É daqueles que ainda se preocupa com a causa do fraco e do oprimido. Ele, e o sócio, acham que a prática da justiça está acima dos interesses pessoais e daquilo que a prática da profissão pode ter de “melhor”. É, também, uma pessoa activa no meio político, pois no Brasil quem mexe com causas sociais não consegue se alhear da política (o Brasil tem uma sociedade muito diferente da portuguesa e num futuro próximo tentarei explicar isso melhor).
Como tal, é um homem com muitos e bons amigos. Numa mesma festa ele consegue juntar juízes, advogados, sociólogos, professores, políticos “de carreira”, jornalistas, activistas sociais e gente comum sem ter onde cair morta (como eu). Todos admiradores das suas excepcionais qualidades humanas.
Quando cheguei à dita festa deparei-me com uma mesa que discutia, de forma bem acesa, sobre a importância política dos juízes. Desse quadro faziam parte o aniversariante advogado, um juiz, um sociólogo e mais três pessoas que eu não conhecia.
Cumprimentei as pessoas e sentei-me, calado e reduzido à minha insignificância perante o excelso painel de palestrantes.
Um dos presentes (que eu não conhecia) afirmava que faltavam juízes de esquerda que usassem dos seus poderes para combater o capitalismo burguês instalado no Brasil. Ao que o juiz rebatia que não compete aos juízes esse tipo de atitudes, mas sim fazer cumprir as leis.
- Mas são leis injustas, feitas por uma minoria burguesa que as fez para defender os seus interesses capitalistas. – Dizia o primeiro.
- Se são injustas não me cabe a mim julgá-las. A mim cabe-me fazê-las cumprir, se não, estaria a julgar em causa própria. – Respondeu o Juiz.
E a conversa (porque era uma conversa e não uma discussão) decorria animadamente. A mim agradava-me o facto que assim fosse. Nunca gostei de discussões sobre política. Conversar e rebater idéias é uma coisa, alterar-se por causa de pessoas que não comungam das suas idéias é outra completamente diferente.
A certa altura abstraí-me da conversa para ver como estavam a minha mulher e a minha filha e eis que, a certa altura, escuto a frase “desobediência civil”.
Voltei rapidamente a minha atenção de novo para a conversa, e deparei-me de novo com o primeiro interlocutor a defender a desobediência civil como forma de luta contra aquilo que achava estar errado.
Foi aí que não me consegui conter e, como de costume, meti-me onde não era chamado.
- Desculpe, está a defender a desobediência civil para impor as suas idéias? – perguntei.
- Como forma de combater o poder de uma minoritária burguesia capitalista que usa o poder para fazer prevalecer os seus interesses.
- Mas, essa dita minoria, como lhe chama, foi eleita pela maioria.
- Essa maioria é manipulada e mantida alienada pelos meios de comunicação sustentados pelo poder do capital.
- Isso em parte é verdade (disse eu). Eu sou profissional de comunicação, já fui jornalista, e tenho plena noção de como as coisas funcionam. Claro que há muitas jogadas para ambos defenderem os seus interesses, mas, mesmo assim não posso concordar com a desobediência civil. Já parou para pensar que eu, como hipotético eleitor dessa minoria burguesa posso preferir as idéias deles às suas e que, com isso, a sua desobediência civil mexe com a minha liberdade? Afinal a sua liberdade acaba onde começa a minha.
- Sim, no seu caso que é uma pessoa culta e informada sim. O problema é que a grande maioria da população brasileira tem um grau de escolaridade muito baixo e não consegue ver essa manipulação.
- Nisso tenho que concordar. Contudo, ao querer impor as suas idéias de forma menos licita está a proceder de forma quase igual à da burguesia capitalista, por muito boas que sejam as suas intenções.
Neste ponto outras pessoas começaram a dar as suas idéias, e a conversa entrou pelos caminhos da liberdade. Como esse tema é complicado e não existe um significado absoluto para “liberdade”, nem vale a pena continuar os diálogos.
O que me tinha assustado fora a “desobediência civil”. Essa eu não posso aceitar. Não aceito que mexam na ”minha liberdade”. Por muito alienado e manipulado que eu possa ser, não posso concordar com isso. Por muito que não se concorde com os poderes instalados, e eu também não concordo com muitos, por muito que seja difícil lutar de forma igual contra esses poderes, num estado dito democrático, não se pode recorrer à desobediência civil como forma de imposição das nossas idéias, ou como forma de luta contra aquilo que achamos injusto.
Quando cheguei ao Brasil encontrei uma cultura e uma sociedade muito diferente daquilo a que estava habituado. Tive que rever muitos dos meus conceitos que, efetivamente, não se adequavam com a realidade que encontrei.
Como nunca fui de me acomodar com a injustiça, hoje, como cidadão brasileiro que, também, me considero (em Roma sê romano), abracei algumas causas sociais e de luta contra as injustiças de um poder político, na sua maioria, corrupto. Contudo, nunca entrei por caminhos menos lícitos para alcançar os meus fins. É uma luta desigual? É. Frustrante por vezes? Também. Mas com muitas pequenas vitórias. Não se consegue mudar tudo na velocidade que se gostaria, mas, devagarinho, vou levando a água ao meu moinho.
Agora, lanço um desafio aos meus pouquíssimos leitores. Concordam com esta desobediência civil? Fico à espera das vossas opiniões.
De fULANO a 10 de Março de 2009
Esperar sentado parece que é uma expressão portuguesa e brasileira. Vale para as duas propostas, a saber, desobediência civil e a legalista. Portugal como o Brasil são incapazes de gerar novas idéias. Ambos mudarão por força de mudanças exteriores.
Antes de mais, obrigado pelo comentário. Sinta-se em casa.
Por muito que o futuro, em Portugal, pareça negro, eu ainda a credito no “nobre povo, nação valente e imortal”. Foram muitos anos de ditadura seguida de libertinagem, passando pela banca rota, criando-se depois uma falsa idéia de riqueza. A crise é brava, mas é nas crises que se descobrem os valores. Eu acredito e não vou ficar sentado.
Quanto ao Brasil a questão é mais complicada. O Brasil é riquíssimo a todos os níveis. Tem um empreendedorismo como eu nunca vi em Portugal, uma capacidade e uma criatividade para descobrir novos caminhos que é fantástica, uma capacidade de gerar riqueza incrível e um modelo organizativo do melhor que já vi. Os maiores problemas do Brasil, para mim, são a altíssima carga tributária e a educação. A alta carga tributária não permite a explosão da economia e a, conseqüente, divisão de riquezas. No Brasil o poder político pode comparar-se à corte de Luís XIV, onde o dinheiro corre livremente, de forma lícita e ilícita, mantendo todo o tipo de luxos (inconcebíveis num país dito democrático – os parlamentares são dos mais bem pagos do mundo (!), fora as regalias) e, baixar a carga tributária, está fora de questão. Já na questão da educação, ela não é desenvolvida junto das classes menos favorecidas, contribuindo para a baixa taxa de educação e falta de opinião publica de forma ao poder político poder controlá-la e assim se ir mantendo na teta da vaca. E, para manterem o povo quieto e calado, promovem um assistencialismo, para mim, inconcebível (embora reconheça que é esse assistencialismo que permite a muitas famílias sobreviverem). Mas, atenção ao Brasil, não serão as forças exteriores a mudá-lo. Espere uns, poucos, anos e verá. Agora, que aqui no Brasil dá uma vontade incrível de apelar à desobediência civil para acabar com a pouca vergonha dos políticos, isso dá. Mas não é, de certo, o caminho. E isso já está provado. Só leva mais tempo.
Abraço.
De Fulano a 11 de Março de 2009
Taxa de mortalidade infantil no Brasil por mil nascimentos: 23.33. Em Portugal 4.85. Em Cuba 5.93.
E baixou 50% nos últimos dez anos. Mais grave, é saber que a ciência e a saúde no Brasil estão super desenvolvido. Mas não chega às classes mais pobres, pelas razões descritas na outra resposta ao seu comentário.
Abraço.
De
Gajo a 11 de Março de 2009
É pertinente o artigo.
A desobediência civil e a violência são o caminho mais fácil, por incrivel que pareça, para alguém fazer ver o seu ponto de vista quando lhe faltam argumentos intelectuais para tal.
A verdade é que também foi à custa da desobediência civil e violência que sociedades manietadas por ditadores e vendadas pela censura e manipulação dos orgãos de comunicação social, foram libertadas e a "democracia" foi instaurada.
Julgo porém que os tempos são outros. Por muito que me apeteça mandar umas bojardas nos políticos de treta deste país e por muito que aqui também o povo seja cego surdo e mudo, não vou desatar aos tiros ou à catanada para impôr as minhas ideias. As pessoas e as sociedades vão evoluindo à custa da educação e comportamento cívico e esta é a única via aceitável para tal.
De facto. Concordo contigo. Contudo, a desobediência civil não tem que ser sempre violenta. E muito bem visto na questão das ditaduras. É que é aí que está o ponto fulcral. Para quem defende essa desobediência nós vivemos numa espécie de ditadura encoberta, o que os leva a se sentirem no direito de se revoltarem. Mas, também acho que, na sociedade actual, não é por aí o caminho.
Abraço e obrigado pela opinião.
De Fulano a 14 de Março de 2009
Cultura mediterrânica: todo o poder é de origem divina e assim sendo tudo lhe é devido e toda exigência indevida.
Enquanto se debate da legitimidade ou não da desobediência civil, num país riquíssimo como o Brasil, morrem por 1000 nascimentos mais 18.48 crianças do que no relativamente pobre Portugal e isto é inaceitável.
As classes médias se podem dar-se ao luxo de pruridos legais. As outras submetem-se à divina vontade e "à natureza das coisas".
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